Não aprecio peixe por um motivo simples: se dou com uma espinha já em caminho para o esófago passo o resto da refeição à procura de mais, num bizarro exercício de masoquismo. Isto claro, quando não cedo à súbita falta de apetite que sempre me assola em tais ocasiões. Às tantas, e da mesma forma inconsciente, tendo a fazer o mesmo quando leio jornais.
Hoje, folheava eu o Diário Económico (que ironicamente, em plena crise económica, me chega às mãos sem custos…) quando tive um desses dissabores. Eis que, logo esparramachado no editorial vinha esta pérola:
Os números do último Orçamento do Estado são reveladores: os gastos sociais representam 56,7% da despesa efectiva do Estado ou 15,3% do PIB. De longe o maior grupo de gastos públicos. (…) São valores significativos que não têm correspondência nos resultados. Com as excepções de algumas áreas na Saúde, os restantes indicadores ficam aquém das médias europeias e da OCDE (…).
Hum, pois… De resto, já nem consegui concluir o artigo perante tamanho disparate. Caro Bruno Proença, Director Executivo, meditemos então em conjunto.
Consideremos, por mera hipótese, um país A – uma economia altamente desenvolvida, consequência de um sem-número de factores que não nos interessam agora – e um país B, tido como desenvolvido mas menos que o primeiro, apresentando este um PIB por habitante de metade desse, digamos de 15000 euros.
Se nos dois países o peso da população activa (isto é, pagadora de impostos) na população total for semelhante e se a taxa média de impostos também for semelhante (50% por exemplo) tal não significa que o Estado Social do país B tenha o mesmo montante à disposição, ainda que o seu peso no PIB seja o mesmo. No fim de contas, o país A conseguirá 15000 euros de cada cidadão em impostos ao passo que o país B apenas recebe metade disso, 7500 euros.
O problema surge aqui: um tratamento médico no país A não custa o dobro de um semelhante no país B. Um bom aluno do país A não consegue duplicar os resultados de um de B mesmo usufruindo do dobro dos recursos. Ou seja: olhando para os ‘standards’ internacionais, a diferença entre a qualidade dos serviços prestados pelo Estado Social português e, por exemplo, o holandês ou o alemão, não é proporcional à brutal disparidade em recursos disponíveis!
Podemos então afirmar, com segurança, que o problema do Estado Social não está (tanto…) na sua eficiência mas na escassez de verbas à disposição. Isto é, em vez de nos preocuparmos em encolhê-lo, devíamos era esforçar-mo-nos por fazer crescer o PIB de forma a diminuir o esforço financeiro que esses sistemas representam. Para variar, não só a comunicação social (ou pelo menos alguma) não nos elucida acerca do mau caminho que está a ser trilhado como insiste na abordagem errada do problema.
Mesmo aceitando que o espírito crítico destes futuros gestores e economistas iseguianos se desenvolva melhor com este autêntico ‘À procura do Wally’ de falácias jornalísticas, acredito piamente que era mais saudável para todos que os nossos estimados publicistas se dessem à maçada de confirmar a validade daquilo que escrevem. Precisamos que interiorizem esta ideia: se a comunicação social é de facto um serviço essencial numa sociedade democrática, é preciso que a informação que chega até nós seja séria, credível, de confiança, para que todos possamos formular as opiniões devidamente fundamentadas em que se deve basear a referida democracia. Caso contrário arrisca-mo-nos seriamente a continuar a série de más decisões que nos trouxe até aqui.